domingo, 16 de outubro de 2011

Confetis

E acordei sozinho, estendido no chão frio e imundo dos resquícios da festa, imerso em confetis, com a boca num cinzeiro, com o copo ainda cheio…
A janela estava aberta, os balões bailavam com a corrente, o dia já nem era dia, o frio rachava-me os ossos.
Encontrei uns cigarros restantes no maço e uma garrafa por acabar.
Fui abandonado, mas isso nunca para mim foi motivo de alarme, pelo contrário, comigo sei eu tratar. Acontece que não devo ser o melhor bebedor, não devo ser o mais afável ébrio, não sou por certo o melhor amigo. Quem me terá convidado?
Por certo alguém amável e de bom coração, misericordioso, piedoso, que decidiu dar uma chance a este pobre vadio… Alguma puta fina.
Não me lembro de ponta de corno.
A festa só começou agora… E que bem que estou a fumar e a beber sozinho num apartamento desconhecido, de corneta na boca e chapelinho na cabeça. Confetis!
Sempre me senti um bom abutre, sempre gostei de restos humanos em decomposição, sempre me alimentei do podre das pessoas, sempre remontei no meu próprio corpo os restos mortais dos espíritos dos outros, sempre me embalsamei com álcool, sempre menti e estripei com unhas e dentes e sempre congelei corações quentes.

Lidar com humanos nunca foi o meu forte, sempre cavalguei o absurdo da existência sozinho e descalço. Sempre fui um bom Sísifo, nunca bom Orfeu. Mau Ícaro, bom Teseu.
Vomito sempre no vestido da noiva. Confetis!
Arco-íris, visto penas monocromáticas, as minhas asas são feitas de cinza, só me tingem as nódoas de vinho, que me definem a forte personalidade nauseabunda.
Sou Quasimodo sem escrúpulos num fato de gala. Mal educado, obsceno, bêbado e insuportável.
Sou bom mentiroso, charme boémio, bizarro e sujo. Foi a minha fada quem me enfadou. O meu feitiço termina à meia noite, a hora em que me apago e caio redondo no chão e sufoco no meu próprio vomito, e ela corre ofendida e repugnada fora do edifício esperando nunca mais me ver.
Sapatinho de cristal quando estou com falta de copos... Confetis!

Terá sido mais uma noite daquelas... E é agora uma daquelas outras noites.
Sinto um conforto gelado aqui sentado envolto deste lixo festivo, no escuro da luz do candeeiro de rua que projecta um plano laranja na sala e faz brilhar garrafas vazias e copos de plástico.
Sinto que não deva esperar pelo dono ou pela dona, não estou muito apresentável, mas não tenho vontade de ir tão cedo, arrisco. Vou acabar os restos de bebida, vou fumar as beatas vou encher-me de confetis!
Não me parece que alguém vá chegar tão cedo... por alguma razão...

E acordei sozinho, estendido no chão frio e imundo dos resquícios da festa, imerso em confetis, com a boca num cinzeiro, com o copo ainda cheio…