terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Desde Longe, Desde Tanto, Desde Nunca


Desde longe, desde tanto, e de certo
Ancestralmente de astros diferentes:
O meu cadente, o teu suspenso,
Para sermos a bela e o burgesso,
A pérola e o camafeu…
O martírio de Prometeu,
A sentença de Laocoonte.

De onde foi que furtámos esta chama?
De onde viemos atear este fogo?
Desde sempre. E desde quando
Que o meu sexo é santo na cama,
Que o teu ventre é tesouro,
Que de vadio virei galante,
Ainda romeiro, bárbaro, mouro?

Mas que nunca! E jamais
Seremos como argila do rio…
Jamais cantadeiras de estio,
Jamais moles, jamais unidos,
Sempre de outra natureza,
Já imaleável à tua beleza,
Que já somos mais crescidos.

E já me pesam membros feridos,
E sempre o teu mundo me foi fastio,
E já os meus pulmões te repugnam
E quão mais o coração, que para além de frio
É um bloco maciço e encardido,
E nele um coágulo entupindo
O que outrora já saiu.

Mas teu esse, não conheço,
E em vil sonho adormeço:
Em que não sei se sangue se veneno,
E o ingiro como bagaço
Em fúnebre sede de dreno
De te extinguir o freno
Em meu regaço, óh amor cadáver.

E que aflição, que martírio,
Ser consciente do meu delírio
E mesmo assim inapto a me libertar.
Que o delírio me pode matar,
Ou a não cessar o delírio,
A morte se torna vã e vão matar,
Pois a morto-vivo de que valem forca e baioneta?

A morto immoto de que vale a celestina
Quando navego sem barqueiro
Mas é Caronte quem me destina
E me amofina enquanto marinheiro.
Mas de que vale o óbolo
Se nunca tive dinheiro?
De que me vale amor se não derradeiro?